22 setembro 2006

Franz Kafka


Os lamentos

São as sedutoras vozes da noite: também assim cantavam as Sereias... Não fora de justiça, para com elas, atribuir-lhes o deliberado propósito de seduzir: elas bem sabiam que possuíam garras e nenhum seio fértil, e disso lamentavam-se em altas vozes - mas não tinham culpa de soarem tão belos os lamentos.

Ana Cristina Souto



Tu


Tu
Minha luz;
Onde impera a escuridão...

Meu lado dia!
Meu lado noite!

Tu!

- Meu Juízo Final...

Soares Feitosa




À vista de ti


Nunca te vi, melhor que seja assim.

Teus cabelos seriam trinados ao vento?

Poderia eu dizer “treinados”, eles seriam — porque aí corre o vento da tardinha — sempre me dizesdo vento.

Guardo teus papéis eu guardo.

Perco-os, justo que me percam.

Um cartãozinho..., teu, a te encontrar, azul...,azul seria a saia de sair?

Ou, haverias de preferir uma roupinha amarela e os olhos vagos de nenhuma palavra?

O que poderei dizer quando te encontrar?..., se.

Nestes tempos modernos, teria lugar para um silêncio?

Falarias?
De que nos diríamos?

Melhor que teus cabelos fiquem ao vento.

Ah, vento doce, da noite,
como me perfumas o hálito desta noite cedo.

Dimas Macedo



Casulo


Te amo sobretudo os lábios

e a resina viscosa dos teus seios,
pois a vulva dos teus olhos enlaça
a sedução invisível dos meus pelos,
onde começo a viver e me embaraço,
porque me mato de amor quando te vejo
.

José Alcides Pinto



NOSSO AMOR

O amor está no arco-íris e no fim da tarde.
Está no teu olhar e nos cabelos negros
que às vezes se enrolam como tranças
e me prendem ao teu corpo como um feitiço.
O amor está no eclipse do sol e no meio da rua.
N a madrugada, no vento, na chuva, no vôo da ave
perdida na tempestade à procura do ninho.
O amor está em mim e em ti, em nossa pele
como grafite no muro que o tempo não apaga.
Está no pergaminho de nossas mãos.
N o primeiro olhar e no primeiro beijo que me deste.
Está no perfume da flor, na música das estrelas.
Em nossos corpos unidos na agonia do sexo.

Pedro Lyra

O MOTIVO


Te amo?

Não sei.

Sei que quero estar contigo quando estou em paz;
quando estou em transe, também quero estar contigo.

(Se te quero na calma e na luta, deve ser porque te ame.)

Quero estar contigo quando a chuva me congela desejos;
quando o sol me acende sonhos, também quero estar contigo.

(Se te quero no vazio e no pleno, deve ser porque te ame.)

Quero estar contigo quando sofro que a solidão começa a ferir;
quando a festa me oferece o mundo, também quero estar contigo.

(Se te quero na angústia e no prazer, deve ser porque te ame.)

Quero estar contigo quando a manhã traz uma música de vida;
quando a noite um silêncio de morte, também quero estar contigo.

(Se te quero na vida e na morte, deve ser porque te ame.)

Não sei. Não sei.

Mas, sobretudo, quero estar contigo quando quero estar comigo.Como agora, e sempre, sempre, ainda, e mais e mais e mais.

J G de Araujo Jorge


Ah, Se Tu Voltasses...
Ah, Se Tu Voltasses...
Fico a me repetir, que se voltares
te olharei nos olhos sem tremer
e te direi, vingando a minha mágoa:
- já não te quero mais.
Mantenho assim de pé o meu orgulho
a esta espera...
Ah, se tu voltasses!
(Só de pensar, sinto uma angústia, um nó
a me apertar o peito...)
- seria até capaz de ter um infarto
com este coração já tão batido
e que morre por ti, de qualquer jeito.

Ana Cristina Souto



Última Afeição


Senti tanto a sua ausência...
Você que me ensinou a admirar as estrelas
que desbravava as minhas esferas
dentro dum silêncio que nos dizia tudo

Aceitava-me por inteira
cúmplice de todas as minhas incertezas
síntese de tanta compreensão incondicional
emanava afeição por todos os poros.

De repente
no deslocar de uma pedra
no alto de uma colina
circunstâncias adversas perderam-se nossa razão

Exilados nos desencantos
sem o brio e o esplendor de uma fera
eu, doce, escrava, fácil presa
degolei minhas ilusões

E agora Ana?

Mergulhei no mais profundo inferno.
Solidão que tanto me assola...
Como exprimir ou tolher tal sentimento?

Sim! Houve um reencontro;
tive a chance de curar minha ferida
e reavivar a chama mortiça
mas feri-me mais com seu desalento.

Rendi-me a seus pés
quase numa súplica.
Em vão! Não tive o seu perdão;
você já não era o mesmo.

E eu, nau, ancorada numa ilusão
sussurrei palavras desconexas
e apenas o que tive de você
foi um olhar de compaixão.

Doeu tanto esses olhos - donos da situação
que antes me ofuscavam como um brilho na escuridão;
que hoje prefiro o escuro de uma madrugada tenebrosa
a seus olhos cegos, frios, fúteis e inúteis.

E a recôndita paz das horas esquecidas;
sem acenos de adeuses,
o sentido que se perdeu
- e acabou-se a história!

Soares Feitosa


Strip-tease
Jamais eu ficaria quieto
sob o teu olhar;

que muito menos quietos,
no direito de ir e vir,
sobre o teu corpo,
seriam os meus olhos lívidos.

Porque sobre mim,
bastam os sons
dos teus vestidos:
já me desvestem a alma.

Drauzio Varela


PRA QUE SERVE UMA RELAÇÃO?

por Dr. Drauzio Varela, médico cancerologista e escritor



Definição mais simples e exata sobre o sentido de mantermos uma relação?

”Uma relação tem que servir para tornar a vida dos dois mais fácil”.

Vou dar continuidade a esta afirmação porque o assunto é bom, e merece ser desenvolvido.

Algumas pessoas mantêm relações para se sentirem integradas na sociedade, para provarem a si mesmas que são capazes de ser amadas, para evitar a solidão, por dinheiro ou por preguiça. Todos fadados à frustração. Uma armadilha.

Uma relação tem que servir para você se sentir 100% à vontade com outra pessoa, à vontade para concordar com ela e discordar dela, para ter sexo sem não-me-toques ou para cair no sono logo após o jantar, pregado.

Uma relação tem que servir para você ter com quem ir ao cinema de mãos dadas para ter alguém que instale o som novo, enquanto você prepara uma omelete, para ter alguém com quem viajar para um país distante, para ter alguém com quem ficar em silêncio, sem que nenhum dos dois se incomode com isso.

Uma relação tem que servir para, às vezes, estimular você a se produzir, e, quase sempre, estimular você a ser do jeito que é, de cara lavada: uma pessoa bonita a seu modo.

Uma relação tem que servir para um e outro se sentirem amparados nas suas inquietações, para ensinar a confiar, a respeitar as diferenças que há entre as pessoas, e deve servir para fazer os dois se divertirem demais, mesmo em casa, principalmente em casa.

Uma relação tem que servir para cobrir as despesas um do outro num momento de aperto, e cobrir as dores um do outro num momento de melancolia, e cobrirem o corpo um do outro, quando o cobertor cair.

Uma relação tem que servir para um acompanhar o outro no médico, para um perdoar as fraquezas do outro, para um abrir a garrafa de vinho e para o outro abrir o jogo, e para os dois abrirem-se para o mundo, cientes de que o mundo não se resume aos dois.

Ah se todo mundo pensasse assim!!!!!

21 setembro 2006

Giselle Marques


A REFLE TIDA DO NÃO


Reflete o espelho azul na parede erva-doce
Cúmplice de apertos e mordidas
E puxões, cabelos, cabeça gigante
Há tempos não vista por aquelas bandas
Por aquelas bandas de dois lados
Direito e esquerdo
Macio, áspero, remédio amargo
Que funciona com kiwi e lima da pérsia
E músculos, e músculos, e músculos
Pedra, pau, pedra, pau, puxa vida!
Lutam tatuagens de henna no cérebro desejoso
De um dia diferente do outro.
O laço é desfeito, há laços sem nós
A necessidade é rarefeita.
Volúvel a vontade do beijo de bafo
Volúvel à vontade no beijo da vida
Não há regra, não à regra
Nem constatações, nem mentiras
Muito menos verdades.
Não às perguntas
Indiscretas.
Não às declarações
De posse.
Posso?
Não ao veneno que inventa
Inimigos ocultos e íntimos.
Não, não e não;
Reflito então sobre...
O sim!

Maria Carpi



Do Livro de Poemas
"As sombras da vinha"
Vinhador, antes de te amar
eu já te amava. O tempo
não ficou saciado com a poda
dos ramos na primavera.
Antes de percorreres a sebe
do corpo e me despires
das páginas, acrisolando
o maduro, eu já te amava.
Afundando-te as raízes
no indecifrável e regando-te
com meu moinho d'água
eu já te amava, sem moderação,
sem reserva. A secura sabia
dos sumos, eu já te amava.
Antes de me dares o fruto.

Ana Cristina Souto

Amor de Primavera


Espreita-nos o pôr-do-sol
em nossa contemplação.
Das palavras mutuamente sussurradas
em que tornam-se imortais nossos instantes
de plena ternura intemporal.

Um fim de tarde perfeita!
Nossos braços entrelaçados
jurando promessas infindas
do mais doce e sereno amor;
Onde os risos eram uma melodia
e os beijos permutados e ininterruptos
nos padeciam num delírio de nirvanas.

Caminhávamos sobre corais e musgos;
jogávamos pedrinhas ao mar
e elas viravam pequenos corações

Escorrego e enrosco-me em teu peito;
- Ávido de trajetos e incertezas -
e sinto teu coração que transborda de universo
em lentos compassos de espera
transportando-me ao portal do paraíso perdido.

Nossos devaneios comedidos
são segredos glaciais de almas supremas
que somente nos sonhos dos amantes
entregam-se aos mantos azuis de aspirações
que faz-nos inexatos –
Mas nesse momento, nada importa!
Já que é úmido o orvalho que mata nossa sede.

Tua presença inebria-me
tua mão estendida à minha
remete-me à primavera do sertão;
A aridez do desejo.
O silencioso milagre da Natureza
e as folhas murmurando recitais
de culto ao nosso amor.

A chuva amena rega
aqueles botões de rosas
que distraidamente tu roubas
e enfeitas os meus cabelos;
E a brisa levemente exala um aroma de flores
confluindo com a doçura constante dos poentes.

Do teu sangue -
florescem crisântemos.

Sim! Eras tu!


- A primavera que eu esperava.

Paulo Castro

SUBSTÂNCIA AMOR


Interessante notar que provei da substância amorosa com 33 anos.

Antes não sei o que era, na verdade, sabia, escrevia e por isso, era algo literário, que cabe em uma sintagma. Mas ontem provei algo que causa mesmo alucinações visuais, sério. O quintal, plena noite, brilhou da cor do dia. Parecia algo bem forte, que dava até medo, mas já estive em muitas paradas, não era essa, a que é a maior de todas, que iria me afastar. Pode paracer sem sentido. O lance é que todos sentidos, tempo-espaço, se concentraram em um único ponto.

De força atômica.

Ontem perdi minha virgindade, minha veia era um canalículo de saliva.

Não há descrição possível pra isso.

Só algo como um relatório. Não um elogio, elogios seduzem, eu quero manifestar a clareza do amor.

Os objetos, antes ameaçadores, se tornam abençoados, apesar de confusos.
A arte ganha nova dimensão.

Você ouve as pessoas que não sejam o seu amor apenas por bondade natural que só nasce de tal vício.

É inalienável. Ninguém pode me tirar.
Existe uma raridade que se conclui da falta de expressão de tais relatórios objetivos. A literatura peca pela quantidade enorme de figuras lingüísticas.

Não há fórmula. No meu caso, metido em auto-suficiência covarde, apenas permiti certa depilação, lavar de cabelos ( ela gosta revoltos ), ouvir um disco, ouvir mais que isso, histórias dela, com real e magnético interesse, e eu, me lembrei de histórias que ainda não tinha contado à ela. Onde estavam essas coisas ? Nossa, quanta bobagem eu havia desferido, como havia me esquecido de tanta grandiosidade, que assim só constatei quando houve paralelismos com passagens da vida dela...eu fiquei no meu ego, mas meu ego estava sendo possuído - a bom gosto, que se entenda - pelo dela, em um espelho de regojizo.

A imbecilidade diz: "Um dia você chega lá".
E nós dissemos, abraçados:
- estamos em sonho ? estamos em universo paralelo ?
eu, besta que sou:
- estamos mortos...?
- NÃO !
Sacaram ?
( imaginem um eletro-cardiograma de alguém VIVO).
( O Eletrocardiograma conduz eletricidade, e agora, a vida dispensa terrorismos das baixas por brigas. Imagine subir uma escada. E subir. )
Saquei.


20 setembro 2006

Paulo Castro


Entrevista dada ao Jornal "LUZ VIOLETA" EM 10/12/2005, fim de tarde quente, nublado, na casa de campo do médico, psicanalista, psiquiatra, escritor, filósofo, sexológo, teosofista, médium, pai de família, poeta, maldito, vagabundo, inimigo e monarco-anarquista, Paulo Castro.
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LV : - Como você se definiria meu amor ?
PC : - Um filho bastardo de Fausto Fawcett
LV : - Não seria uma contradição ? Seu gosto musical é um caos, ou isso é boato ?
PC : - Não é boato.
LV : - Como foi iniciado na literatura ?
PC : - Por um professor que me chamava de QUERIDÃO e me levava sob ação de drogas psicotrópicas pra casa dele. A gente tomava batida de morango e escrevia poemas de cunho gay. Dessa turma, me lembro bem de Guimarães Rosa, Olavo Bilac, Sidartha Gautama , Saint-Germain, e o Jaques Lacan. Éramos uma nova geração beat.
LV : - E a literatura nética ?
PC : - Eu escrevia contos de vampiro, de um semi-vampiro, que tinha barato bebendo água benta.
LV : - Não sejamos ridículos !
PC : - Foi o que pensei. Exatamente.
LV : - Quem são seus ídolos no mundo literário ?
PC : (risos) - Ah, são tantos ! Sabe, eu leio muito, desde de pequeno, tudo que me cai na mão, desde bula de remédio até James Joyce...
LV : Senso-comum ?
PC : Eu escrevo crônicas, sabe como é...
LV : Essa sua nova conversão ao misticismo ?
PC : Percebi que estava em contato com algo maior quando adoeci do coração. Como todos sabem, estou com insuficiência cardíaca grave. Senti que a religião não existe, é uma mentira. A verdade não está fora de você. Está dentro. Agradeço ao enfermeiro JOSIAS, o LONGO, do Hospital do Coração de Campinas.
LV : Por quê sumiram os travessões ?
PC : A senhorita ainda não viu nada.
LV : E a experiência teatral ?
PC : Um sucesso internacional. A peça "Red Shoes" me levou até os confins lusitanos, onde fui tratado como rei, como deus, como Paulo Castro. Todos por aqui ficaram com inveja filha da puta. Obrigado por essa pergunta.
LV : O que acha dos blogs de literatura ?
PC : Gosto de vários, deixo comentários bem humorados, mas quanto mais famoso é o escritor, menos atenção ele dá ao leitor. Mesmo que seja um bosta. O blog é outra maneira de ser vaidoso. Os clubinhos literários continuam a existir de maneira vitual-patética.
LV : Falou sério agora !
PC : Nem tanto.
LV : E o ORKUT ?
PC : Uma maneira de estar no mundo. DAISEN. Cyber-Sartre.
LV : O que dizer pra quem está querendo começar ?
PC : Começar o que, porra ?
LV : Sei lá. Tá na pauta...
PC : Ok. Siga a sua lenda pessoal.
LV : Por falar nisso, o que causou seu afastamento do blog "Litertura Corporal" ? Ele estava nas moscas !
PC : Estive viajando pelo interior de São Paulo, como já fez um dia Jack Kerouac.
LV : E a medicina ?
PC : Está muito evoluída e em breve teremos tratamentos para doenças sérias, essa é minha opinião pessoal como médico, paciente e poeta.
LV : Como foi o seu CHAT na UOL, seus leitores reagiram bem ?
PC : A maioria não me conhecia. Perguntaram se eu publicava com intuito de ajudar as pessoas. Eu disse que não. Ficaram bravos. Eu fiquei bravo. O pau comeu. O moderador interviu. Nunca se dei bem com moderadores.Nunca cê dei bem com eles. As conexões nacionais com o serviço UOL sofreram explosões e perdas humanas. Foi divertido. Sei lá. O artista tem que ir onde o seu karma está.
LV : E o povo ?
PC : Hoje eu entrei numa comunidade "Homofobia-não dá!". Já basta de minorias, não ?
LV : "Literatura Corporal" é a melhor Comunidade do ORKUT ?
PC : Sim. Sem sombra de dúvida.
LV : É fácil fazer parte ? Paga ?
PC : Imagine, senhor ! É só ir em "Comunidades", pesquisar e se associar.
LV : O suco de clorofila melhorou sua perfomance sexual ?
PC : Em nada.
LV : Projetos para o futuro ?
PC :(risos) Ah, são muitos...mas na hora certa todos vão saber !
LV : Já entrevistei alguém que me deu a mesma resposta...
PC : Almas Gêmeas. E Safadas. Criminosas. Manipuladoras.
LV : E a psicanálise ?
PC : Adoro. Recomendo. Agora é sério. Sem brincadeira de autor que quer ser engraçadinho em seu site pessoal. Esses caras são um saco. A Psicanálise se coloca contra a banalização da subjetividade imposta pela psiquiatria biológica. Só não cura nêgo engraçadinho em site de literatura.
LV : Método de escrita ?
PC : Associação livre com retoques e bordados posteriores.
LV : Por quê "Incomodado de Nascença" é o título da sua coluna no jornal ?
PC : Menina, sabe que eu mesmo não sei. Foi improviso. Como a vida. Como o destino. Só sei que amo essa coisa da coluna. É quando sinto que o teclado é um piano louco e que o público é diferente em si, brilhante, inteligente, burro, silencioso, honesto, bombástico, kantiano !
LV : Fica mesmo emocionado, não ?
PC : Fico. Embargado.
LV : Nunca dá pra saber quando você está falando sério e quando não, isso é uma merda do ponto de vista jornalístico e da sua fama...
PC : Pois é. A minha primeira namorada já me disse isso. O cinismo é uma forma de auto-afirmação, que aliás estou superando com o uso dos Florais de Bach...
LV : Fala sério, Paulão !
PC : Caralho. Tô falando. Tô sentindo a espiritualidade toda noite, quando deito de barriga pra cima, esquenta na altura do umbigo e vem a paz que dilata a alegria.
LV : ...
PC : ...
LV : ...
PC : ...
LV : Como está sendo ficar sem o cigarro e a bebida ?
PC : ...
LV : Situação política do país ? Governo Lula ?
PC : ...
LV : ...
PC : Café ?
LV : Chá Verde.
PC : ô, Francinete !!!!!!!
( acaba assim mesmo e daí ? )

Hilda Hilst



Delicatessen


Você nunca conhece realmente as pessoas. O ser humano é mesmo o mais imprevisível dos animais. Das criaturas. Vá lá. Gosto de voltar a este tema. Outro dia apareceu uma moça aqui. Esguia, graciosa, pedindo que eu autografasse meu livro de poesia, "tá quentinho, comprei agora". Conversamos uns quinze minutos, era a hora do almoço, parecia tão meiga, convidei-a para almoçar, agradeceu muito, disse-me que eu era sua "ídala", mas ia almoçar com alguém e não podia perder esse almoço. Alguém especial?, perguntei. Respondeu nítida: "pé-de-porco". Não entendi. Como? "Adoro pé-de-porco, pé-de-boi também". Ahn... interessante, respondi. E ela se foi apressada no seu Fusquinha. Não sei por que não perguntei se ela gostava também de cu de leão. Enfim, fiquei pasma. Surpresas logo de manhã.

Olga, uma querida amiga passando alguns dias aqui conosco, me diz: pois você sabe que me trouxeram uma noite um pé-perna de porco, todo recheado de inverossímeis, como uma delicadeza para o jantar? Parecia uma bota. Do demo, naturalmente. E lendo uma entrevista com W. H. Auden, um inglês muito sofisticado, o entrevistador pergunta-lhe: "O que aconteceu com seus gatos?" Resposta: "Tivemos que matá-los, pois nossa governanta faleceu". Auden também gostava de miolo, língua, dobradinha, chouriços e achava que "bife" era uma coisa para as classes mais baixas, "de um mau gosto terrível", ele enfatiza. E um outro cara que eu conheci, todo tímido, parecia sempre um urso triste, também gostava de poesia... Uma tarde veio se despedir, ia morar em Minas... Perguntei: "E todos aqueles gatos de que você gostava tanto?" Resposta: "Tive de matá-los". "Mas por quê?!" Resposta: "Porque gatos gostam da casa e a dona que comprou minha casa não queria os gatos". "Você não podia soltá-los em algum lugar, tentar dar alguns?" Olhou-me aparvalhado: "Mas onde? Pra quem?" "E como você os matou?" "A pauladas", respondeu tranqüilo, como se tivesse dado uma morte feliz a todos eles. E por aí a gente pode ir, ao infinito. Aqueles alemães não ouviam Bach, Wagner, Beethoven, não liam Goethe, Rilke, Hölderlin(?????) à noite, e de dia não trabalhavam em Auschwitz? A gente nunca sabe nada sobre o outro. E aquele lá de cima, o Incognoscível, em que centésima carreira de pó cintilante sua bela narina se encontrava quando teve a idéia de criar criaturas e juntá-las? Oscar, traga os meus sais.

Texto extraído do jornal "Correio Popular", de Campinas-SP, edição de 01/03/1993.

05 setembro 2006

Paulo Leminski




Não Discuto

não discuto

com o destino

o que pintar

eu assino

04 setembro 2006

Ramon Moreira



Acordar

Num mundo perdido vislumbrei-me em versos
Num mundo esquálido convalesço em sonhos
Aos prantos rogo uma canção pra ti
Onde estava quando não ao teu lado?
Solidão mareja os olhos
Paz não me traz o espírito
Que a sede de luta me abasteça o corpo
Que loucura me faz querer paz com espada?
Não é destino ser andarilho
Menos buscar na solidão liberdade
A cada batalha uma guerra perdida
E na mente a crença tola de ser além
Deveras tenho pena deste ser
Pois que razão não há no menor de meus gestos.

Ricardo Wagner


papel
é pele
onde cicatriz
se mutila

caneta
é bengala
de quem sangrou
até viver

coração
é lugar
onde labirinto
se perde

03 setembro 2006

Rodrigo ben D´Almeida



SOBRE PAULA LYN, A FOTÓGRAFA

Ela é certa e errada
É azul e amarela
É quente e mais quente ainda
É magia e verdade
É um vento que a gente sonha em ter
Entre as mãos
Entre os cale-se e cálice
Entre o fale e o não diga nada
Entre o choro e o mar
Entre o sim e o talvez.
Entre
Entre sem bater
Mas não feche a porta.

Agnes Mirra



CÁPSULA PROTETORA



De novo, estou aqui...
E seus olhos me observam.
Nem importa se não tem um rosto sinto seu olhar devastador...

Suas palavras queimam minha libido como larva
te imaginar só alimenta esse fogo
mas estou longe
posso me trancar numa cápsula...

Fujo de você
pra ser encontrada...
Falo coisas desconexas
pra você entender...

As horas se convertem em desejo
e 'desejo é cruel'...
Mas não dói, me protejo.
E por você me isolo na minha cápsula...

Aqui de novo...
Estou salva e afogando em palavras.
Aqui, sozinha e com você
Onde te devoro através da minha proteção imaginária...

Acauã



ESTRELA BRANCA


Estrela branca do amanhecer
Me ensina o segredo
De viver eternamente
Me faz uma pagina da história
De coração aberto
Livre na memória
Me faz viver
Intensamente esse amor
No infinito que é você.

Retalhe as vestes
Do seu calendário
Deixando o desejo
Desconectar o imaginário
Se lance no sal dos oceanos
E afogue a saudade
No mar dos desenganos
Me faz viver
Intensamente esse amor
No infinito que é você.

Jorge Maia


POEMA EM FORMA DE AGENDA INCUMPRÍVEL (Ou agenda em forma de poema improvável)

pra Priscila Esteves



Comer mais fruta
Perguntar quem é antes de abrir
Aprender alemão
Suar
Dormir cedo
Pedalar muito
Ligar para pelo menos três
Pensar
Comprar aspartame
Rezar
Contatar Fernanda
Plantar coentro
Chorar
Cumprimentar pelo nascimento do bebê
Traduzir todas as letras
Mentir por razões nobres
Perdoar
Tomar dois, em jejum
Perguntar como foi a viagem
Cobrar
Tentar compreender por que
Olhar para o céu
Fazer o que deve ser feito.

Hélio Aroeira


Hoje meu coração
acordou de ressaca.
Foi muito vinho e muita lágrima
pra tanto sentimento sorvido.

Oxigênio estampado.

Foi muito passado passado a limpo.
Foi muito presente oxidado.

01 setembro 2006

Andrea Paola Costa Prado


Tarde
Desnudar o poema íntimo assim...
é fazer um strip-tease d'alma...
em cenas despudoradas
de amor explícito
ao público !
Ah !...
Nem que seja tarde...

Eu quero mais é fazer cena de Amor Explícito!
Mesmo que seja proibido!
Pra todo mundo querer cometer esse crime
e não haver

nenhum culpado.

Luísa Artèsa


Banho

Desaguo nas águas do banho
O rio que correu de mim
Por imaginar tua voz murmurando
E as minhas mãos acariciando A tua virilidade entregue assim
...Enfim...
Desmancho nas águas meu corpo
E dissolvo meu gozo na água doce
Que se faz salgada como mar
E sussurro teu nome esperando você chegar
Na água do banho com cheiro de almíscar
Extasiada deixo escapar
Minha força ao te imaginar
Com teu jeito de me arrepiar
Até às minhas mais fundas entranhas
E despudoradamente me violar
Quase derreto ao me banhar
Ficando meio totalmente maluca
No cio te sentindo na nuca
A morder...
Os dentes teus a me cravar...
Da água do banho
Eu saio
E numa cama macia
Eu caio
Esperando você voltar.