29 abril 2007

T.S. Elliot



RECOMEÇAR


Não há amor perdido, nem se fingem milagres
Não reparto o destino que me expia em saudades...
E o grito ecoa profundo;
“ Quero o meu mundo!
“O assalto recomeça, o espelho fascina
Sigo encoberto, o quebranto domina...
Mas a vida desalinha!
Sepulto a ruína, ressurjo em apreço,
E de novo, recomeço.

Só quem se arrisca a ir longe demais
descobre o quão longe se pode ir.

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Postagem destinada a minha amiga Fênix Solange Benevides .

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28 abril 2007

Gerardo Mello Mourão


O QUE AS SEREIAS DIZIAM A ULISSES NA NOITE DO MAR


Não partas!
Se partires
as velas de tua nau serão escassas
para enxugar-te as lágrimas - e nunca
nunca mais tocarás a pele das deusas
nunca mais a virilha das fêmeas dos homens
e nunca mais serás um deus.

Ledo Ivo

SONETO PURO

Fique o amor onde está; seu movimento
nas equações marítimas se inspire
para que, feito o mar, não se retire
das verdes áreas de seu vão lamento.

Seja o amor como a vaga ao vago intento
de ser colhida em mãos; nela se mire
e, fiel ao seu fulcro, não admire
as enganosas rotações do vento.

Como o centro de tudo, não se afaste
da razão de si mesmo, e se contente
em luzir para o lume que o ensolara.
Seja o amor como o tempo — não se gaste
e, se gasto, renasça, noite clara
que acolhe a treva, e é clara novamente.

Soares Feitosa

O Prisioneiro



Trouxeram-me a prisioneira ao interrogatório.

Recusei-me às perguntas porque as respostas estavam ao passado.

Sequer o futuro se lhe indagou;

que também recusou perguntar, quando os carrascos lhe disseram:


— Pergunte o que quiser.
Ela apenas balbuciou:

— Eu sei.

Mentíamo-nos, porque jamais nos víramos.

Decretei a prisão imediata de todos os carrascos.

Mantive a prisioneira sob algemas,

que ninguém é louco de manter tesoiro tão rico ao léu;

mas, prudência maior, soltei-lhe os braços e mudei as algemas
aos meus próprios pulsos.

Ela — os gestos diziam que me seriam sob afagos.

Deixei: apenas que os olhos, os cabelos úmidos:

— Os meus? Os dela?

Era o chamamento.



Fortaleza, noite, 11.12.1999

Olavo Bilac

CONSOLAÇÃO


Penso, às vezes, nos sonhos, nos amores,
Que inflamei à distância pelo espaço.
Penso nas ilusões do meu regaço
Levadas pelo vento a alheias dores...
Penso na multidão dos sofredores,
Que uma bênção tiveram do meu braço.
Talvez algum repouso ao seu cansaço,
Talvez ao seu deserto algumas flores...
Penso nas amizades sem raízes;
Nos afetos anônimos, dispersos,
Que tenho sob os céus de outros países...
Penso neste milagre dos meus versos:
Um pouco de modéstia aos mais felizes,
Um pouco de bondade aos mais perversos...

Mario Quintana

ENVELHECER


Antes, todos os caminhos iam.

Agora todos os caminhos vêm.

A casa é acolhedora, os livros poucos.

E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.

Lucinha Araújo


O INSTANTE


Eu não quero nada,
não te peço nada.
Só que fique aqui bem perto,
inquieto ou de modo que eu possa;
ouvir a sua respiração;
Dividiremos o espaço,
como quem partilha bocados;
com generosa ternura.
Olhando um para o outro
com o zelo sagrado da contemplação,
sem ruídos...sem exigências...sem procuras...
Porque já basta o que temos,
e o momento é irretocável.

Cecília Meireles


Luar Póstumo



Numa noite de lua escreverei palavras,
simples palavras tão certas
que hão de voar para longe, com as asas súbitas,
e pousar nessas torres das mudas vidas inquietas.


O luar que esteve nos meus olhos, uma noite,
nascera de novo no mundo.
Outra vez brilhará, livre de nuvens e telhados
livre de pálpebras, e num país sem muros.


Por esse luar formado em minhas mãos, e eterno,
é doce caminhar, viver o que se vive.
Porque a noite é tão grande... Ah,quem faz tanta noite?
E estar próximo é tão impossível!

Clarice Lispector


Dá-me a tua mão



Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.


De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

Florbela Espanca



Voz Que Se Cala


Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.

Amo a hera que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.

Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!

Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!...

Ana Cristina Souto


Mel

Quando suavemente deslizaste
as mãos afastando a franja que revelaram
o mel do meu olhar
- que douram a tua fronte -
lamentei pelos beija-flores;
que só a ti cedi o pólen
ao beijares a pele da minha córnea.
Ante às trevas encontro a luz do teu olhar!
Eu te sorvo onde o amor reside...
Tu me fizeste maior;
melhor do que jamais poderia eu ser.


Silêncios comedidos, gritos, tantos sons irreverentes.
Nossos sonhos??!!!
- Jamais acorde-os!
Avante a sonhá-los.
Ah! Essas alegorias da realidade:
Mesmo sabendo que virás;
pela fresta da janela,
espreito à tua chegada....

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Pequeninos reveses
que teimaram em ruir nossas vidas...
Somos rochas; tais ondas não nos destruíram
a atmosfera ao nosso redor - tudo suporta
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

Teu corpo / o meu desejo.
Tua alma / os meus sentidos.


Bebamos nosso amor num copo de mar!
Ah! Esses lábios de hortelã
que beijam a minha poesia
nas páginas de vida nova
no livro do nosso tempo...


Você é a soma das minhas decisões;
Que sejam doces
os nossos destinos e desafios;
Como a colméia dos meus olhos.

Ferreira Gullar

Cantiga para não morrer


Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

W. Wordsworth




How strange that all The errors, pains, and early miseries,

Regrets, vexations, lassitudes interfused

Within my mind, should e'er have borne a part

And that a needful part, in making up

The calm existence that is mine when

I Am worthy of myself. *

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*
Como é estranho que todos

Os erros, sofrimentos e males de outrora,

Remorsos, humilhações e cansaços misturados

Na minha alma, tenham tido a sua parte,

A sua necessária parte, na criação

Desta calma existência que é a minha quando

Sou digno do meu ser.


The Prelude (1850)

Hermann Hesse




"A trajetória de nossa vida pode parecer definitivamente marcada por certas situações. Nossa vida, entretanto, conserva sempre todas as possibilidades de mudança e conversão que estiverem ao nosso alcance. E tais possibilidades são tanto maiores, quanto mais abrigarmos em nós de infância, de gratidão, de capacidade de amar."


Jean-Jacques Rousseau

Abrazo - Eduardo Naranjo



FELICIDADE PERENE E FELICIDADE DURADOURA


Por entre as vicissitudes de uma longa vida, reparei que as épocas das mais doces delícias e dos prazeres mais vivos não são aqueles cuja lembrança mais me atrai e mais me toca. Esses curtos momentos de delíriro e paixão, por mais vivos que possam ter sido, não são, no entanto, e até pela sua própria intensidade, senão pontos bem afastados uns dos outros na linha da minha vida. Foram demasiados raros e demasiado rápidos para constituírem um estado, e a felicidade de que o meu coração sente saudades não é constituída por instantes fugidios, é antes um estado simples e permanente que em si mesmo não tem vivacidade, mas cuja duração aumenta o seu encanto ao ponto de nele encontrar finalmente a felicidade suprema.

em Os Devaneios do
Caminhante Solitário

Nietzche

Fragmento de texto



"Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar para atravessar o rio da vida. Ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem número, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio, mas isso te custaria a tua própria pessoa: tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Aonde leva? Não perguntes, siga-o!"

Virginia Woolf

Fragmento de um texto




"... pois nenhum ser humano deve tapar o horizonte, se encararmos o fato de que não há nenhum braço em que nos apoiarmos, mas que seguimos sozinhas e que nossa relação é para com o mundo da realidade e não apenas para com o mundo dos homens e das mulheres..."

José Saramago

Poema à boca fechada


Não direi:

Que o silêncio me sufoca e amordaça.

Calado estou, calado ficarei,

Pois que a língua que falo é de outra raça.


Palavras consumidas se acumulam,

Se represam, cisterna de águas mortas,

Ácidas mágoas em limos transformadas,

Vaza de fundo em que há raízes tortas.


Não direi:

Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,

Palavras que não digam quanto sei

Neste retiro em que me não conhecem.


Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,

Nem só animais boiam, mortos, medos,

Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam

No negro poço de onde sobem dedos.


Só direi,

Crispadamente recolhido e mudo,

Que quem se cala quando me calei

Não poderá morrer sem dizer tudo.

09 abril 2007

Soares Feitosa





Dedicatória


O ar, amor —
este ar que eu te respiro.


SF,
Fortaleza, 30.10.2006, tarde em sol