21 agosto 2006

Edgar Allan Poe



















Para Annie

Graças a Deus! A crise,
o perigo passou!
O mal languidescente
afinal se acabou.
E essa febre chamada
vida se conquistou!

Tristemente me sinto
das forças despojado
e músculo algum posso
mover, assim deitado.
Mas que importa? Prefiro
ficar assim deitado.

E em meu leito descanso,
com tamanho conforto
que, ao ver-me, poderiam
imaginar-me morto;
talvez estremecessem,
como quem olha um morto.

Gemidos e lamentos,
suspiros e aflição agora se acalmaram,
com a palpitação
cruel no meu peito. Horrível
essa palpitação!

O mal-estar, a náusea,
a impiedosa agonia,
tudo se foi, com a febre
que a mente enlouquecia:
febre chamada vida,
que em meu cérebro ardia.

De todos os tormentos, o que mais amargura
cessou: o ardor terrível
da sede que tortura,
sede do rio naftálico
da Paixão vil e impura.
Oh! eu bebi de uma a'gua
que toda a sede cura!

Água que flui com um canto
que o ar de docúra inunda,
de uma fonte bem pouco
escondida e profunda,
de furna que no solo
quase não se aprofunda.

E, ah! nunca loucamente
se diga e seja aceito
que é sombrio o meu quarto
e apertado o meu leito,
pois nunca o homem descansa
em diferente leito.
Para dormir, deitai-vos
em semelhante leito.

Nele, a alma supliciada
dorme, sem dolorosas
recordações, não tendo
mais sauddaes das rosas,
das velhas inquietudes
de seus mirtos e rosas.

e, aqui jazendo, o espírito,
tão calmo e satisfeito,
crê que o cerca um mais santo
odor de amor-perfeito,
odor de rosmaninho,
misto de amor-perfeito,
de malva, do belíssimo
e puro amor-perfeito.

E assim feliz repousa,
mergulhado em perene
sonho de lealdade
e da beleza de Annie,
mergulhado nas ondas
das longas tranças de Annie.

Ela beijou-me e, terna,
acariciar-me veio.
E eu caí, docemente,
a dormir no seu seio.
Dormi profubdamente
sobre o céu de seu seio.

Cobriu-me, ao apagar-se
a luz no castiçal,
e orou para que os anjos
me livrassem do mal
e a Rainha dos anjos
me afastasse do mal.

E durmo em tal conforto,
agora no meu leito
(desse amor satisfeito)
que me acreditais morto.
E é tal o meu conforto
a repousar no leito
(seu amor no meu peito)
que me imaginais morto
e tremei, com trejeito
de quem contempla um morto.

Mas o meu coração
fulge mais que a perene
luz dos astros celestes,
pois fulgura por Annie
e se abrasa na chama
do amor de minha Annie,
só pensando na chama
do olhar de minha Annie.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Tenho adoração por Allan Poe! Nessa poesia ele se superou!

23 agosto, 2006 16:06  

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